30.12.08

Já depois da meia-noite.


(…) Decides ir pela noite, onde o sol já não espreita por entre as nuvens e onde será mais difícil ser alvo de olhares curiosos e desatentos ao acaso. Preferes ir pela escuridão, sempre dá para pensar um bocado e aproveitar quando o tempo pára e o coração deixa de bater, quando tudo deixa de existir e o mundo deixa de girar. O escuro sempre é o melhor refúgio, quanto mais baixo tu estiveres, mais fundo pareces estar e a tua presença nem sequer é notada. Desapareces como se de um sonho se tratasse apenas, ficas apenas tu, tu e a tua sombra, escondidos do mundo por um erro técnico do acaso que te levou. Enquanto caminhas pela noite ocorre-te tudo menos seres quem és. Ocorre-te desistires de tudo, de ficares para trás, ocorre-te deixares de viver, mesmo sem ser a única opção disponível, ocorre-te ficar aqui, no escuro, os segundos que forem necessários, nem que sejam horas, dias ou semanas. De repente, ocorre-te sair daqui, sair o mais rápido possível. Sabes que não podes fugir do destino, mas decides tentar na mesma. Sabes que já é tarde, olhas calmamente para o relógio, não passam poucos minutos da meia-noite. Reparas que passaram horas desde que fechaste a porta, desde que saíste para a escuridão, desde que saíste sem rumo. Sabes que fugir não vai resolver tudo, mais tarde ou mais cedo vais ter de voltar e voltar a enfrentar os mesmos dias, presos na mesma rotina. A vida é como o tempo, não espera, não pára e por mais que não queiras, ela continuará o seu caminho, continuará a andar, como sempre fez, por mais séculos que passem á frente. Decides parar. Já chega de tanta correria, estás farto da confusão da cidade, do barulho dos carros, do fumo dos cigarros, das conversas habituais das pessoas sobre o jogo de futebol da semana passada, ou do vestido que agora está na moda, do ar poluído, dos dias cinzentos, da chuva que só molha “parvos”, dos políticos que prometem mas não cumprem, da escola, dos filmes, de tudo. Agora, já depois da meia-noite, parece estar tudo mais calmo. O silêncio normal da noite é cortado por algo a tocar dentro do teu bolso. É uma mensagem. “Onde estás?” perguntam. Decides não responder e desligas o telemóvel. Não passa de apenas mais um crepúsculo na tua vida, mais um final igual a todos os outros. Para quê arriscar tudo neste jogo, quando o tempo não joga do teu lado e sabes de antemão que nunca poderás ganhar? Sentes-te tentado a tentar, no fundo já nem tens nada a perder, farto desta vida estás tu. Hesitas agora em dar o primeiro passo, sabes que apenas um em falso pode arruinar tudo. Enquanto estás aqui, nem viste como as horas passaram rapidamente. Os segundos que querias que durassem uma eternidade, demoraram menos do que o normal a passar, e enfim, foi rápido de mais. E agora está na hora de ir embora. (…)